A foto

F.
3 min readOct 5, 2020

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Quando a rapaziada descobriu o passado da Paula foi um rebuliço. Um estagiário do Mendonça morou na mesma cidade dela e espalhou a história. Um namorado irritado vazou um nudes dela pra cidade toda. O cara se ferrou legal, pacote completo: polícia, processo e indenização.

E desde aquele dia, por semanas, o grupo dos homens do escritório só falava disso. Marcos tentou conseguir a foto com uns parentes que tinha naquela cidade. Júlio chegou a largar uma indireta pra ela e foi ignorado. Eu mesmo não fiz nada, espalhar a foto parecia uma grande sacanagem. Iam acabar fazendo ela ser humilhada e sair do escritório. Mas tudo parecia bem porque após uma semana, a história esfriou e não se falou mais disso. Tudo ia normal, Paula sentada próxima de mim, linda e discreta, sem imaginar a forma que havia sido exposta.

Numa terça-feira, um dia como qualquer outro, meu computador começou a apresentar problemas, a tela desligava abruptamente, o brilho aumentava e diminuía sem que eu mexesse nele. Enquanto atendia um longa ligação de uma das filiais, recebi um email com o seguinte título: “Mais uma foto da nossa colega paulinha”, sem nem prestar atenção, cliquei pra abrir a foto. E minha tela desligou.

Quando a filial desligou, disquei o ramal da informática e avisei o João, técnico responsável do setor, que minha tela novamente estava com problemas. Ele respondeu que estava ocupado com o computador de um dos diretores, mas assim que pudesse me levaria um novo. E então eu esperei. Esperei por trinta minutos até desistir, então fui a cozinha buscar um café. Ao voltar para minha mesa vi Paula e mais três colegas de trabalho olhando perplexas para a tela do meu computador. A tela ligada mostrava a mesma foto dela nua que tanto repassamos no grupo. Paula foi a primeira a notar minha volta e me olhou com uma expressão de ódio “por que?”.

Fiquei sem resposta enquanto se armou a confusão. João apareceu com a caixa do monitor novo nas mãos. Júlio saiu de sua sala ver a muvuca. Em segundos todo escritório estava a volta da minha mesa. Os homens num misto de galhofa e susto, as mulheres chocadas e com raiva. Vieram os diretores. No dia seguinte os movimentos de defesa das mulheres trouxe diversas feministas que acampavam na porta da empresa gritando frases de efeito. Uma equipe de informática também apareceu e fez uma varredura nos computadores de todo mundo, não descobriram quem enviou o email — tinha sido recém criado a partir de informações falsas — , mas descobriram rastros digitais suficientes pra implicar mais oito colegas de trabalho no escândalo de divulgação da foto.

Menos de duas semanas depois, a coisa toda acabou tão rápido quanto começou. Eu e os oito colegas aceitamos legalmente a culpa pela divulgação da foto, fomos demitidos por justa causa e condenados a pagar indenização por danos morais à Paula. Meu valor foi de cinquenta mil reais, o menor de todos, o do Júlio ficou na casa dos quatrocentos mil. Ser chefe durante um processo de assédio moral tem um lado negativo. O valor que os outros pagaram eu nunca cheguei a saber, todos me culpavam pelo escândalo e perderam mais que eu. Além do trabalho, vários perderam também as esposas e o contato com os filhos, foi uma humilhação pública desgraçada.

Pra mim, mesmo só com o revés financeiro, as coisas foram complicadas. Levei meses pra me recuperar do baque e só dois anos depois consegui um trabalho na minha área novamente. Mesmo recebendo metade do que recebia antes, já era um começo.

Saindo pra almoçar no primeiro mês no emprego novo, reencontrei Paula. Fui saindo de mansinho do trajeto dela, mas ela veio até mim sorrindo. Me tratou com a mesma amizade que tínhamos antes do vazamento da foto e contou que não trabalhava mais, viajou o mundo recentemente e agora vivia de publicidade nos stories do instagram: o escândalo da foto rendeu duzentos mil seguidores para ela. Me senti genuinamente feliz por ela, que havia sido a vítima da infantilidade de todos nós. Ao menos alguém saiu melhor daquilo tudo.

Após alguns minutos de conversa, um carro parou próximo a calçada. Ela se despediu dizendo que a carona dela havia chegado. Mostrou rapidamente a a aliança e disse que estava noiva, dois anos de namoro e um ano de noivado. Achei as datas curiosas, ela nunca disse que namorava quando trabalhávamos juntos. Quando ela entrou no carro, percebi que quem dirigia era João, nosso técnico de informática. Ambos se olharam, me olharam e sorriram maliciosamente. Por um segundo não entendi aquilo, mas então as peças se encaixaram. Esbocei gritam um “filhos da pu…” mas o carro já havia arrancado e ia longe.

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F.

First you take a drink, then the drink takes a drink, then the drink takes you. — Fitzgerald.